Quando nasce uma mulher, já se espera dela que cumpra um caminho pré-determinado, onde, em algum momento, irá se tornar mãe.
Ainda que essa possibilidade esteja presente no imaginário das mulheres, é preciso investigar a fundo se é um desejo ou a imposição de um papel que supõe ter que cumprir.
Por trás dessa escolha — ser ou não ser mãe — se esconde o peso de uma pressão cultural histórica. Não ceder a essa imposição, envolve sustentar a conquista de direitos, parar de romantizar a maternidade e ressignificar o conceito de família.
A conquista do direito de escolher
Nós mulheres temos hoje direitos porque as que vieram antes de nós os conquistaram com muita luta.
Se hoje podemos estudar, é porque conquistamos o direito de frequentar a escola (1827) e de ter acesso à faculdade (1879). Se podemos ter voz, é porque conquistamos o direito de poder votar (1932).
Vamos lembrar que muitas das conquistas do feminismo no Brasil são recentes: só em 1974 conquistamos o direito de portar um cartão de crédito e em 1977, de poder divorciar. Somente na constituição de 1988, as mulheres passaram a ser vistas como iguais aos homens perante a legislação brasileira.
A romantização da maternidade
Parar de romantizar a maternidade envolve mostrar a sua realidade em todas as suas faces — as boas e as ruins.
Basta acompanhar a luta das mulheres que são mães solo, das que experimentam a solidão do puerpério, das que enfrentam a depressão pós-parto, das que abdicam de sua carreira para criar os filhos, das que se arrependem de ter tido filhos, ainda que os amem.
Reconhecer as lutas e glórias da tarefa de ‘maternar’, acolher os sentimentos contraditórios e a culpa que acompanha todas as mães — um caminho para que a escolha de tornar-se mãe seja baseada na realidade e não em ilusões, fantasias ou obrigação.
A ressignificação do conceito “família”
Qualquer maneira de amor vale a pena, já nos dizia Milton e Caetano na canção “Toda forma de Amar”, de 1975.
O conceito de “família tradicional”, faz parte do modelo de sociedade patriarcal, onde prevalece o poder dos homens sobre as mulheres e os demais sujeitos que não se encaixam no padrão “normativo” de gênero, raça e orientação sexual.
Nesse modelo, a figura do pai tem autoridade sobre as mulheres e crianças da família. Mães que deixaram de trabalhar para cuidar dos filhos ficam, muitas vezes, presas a relacionamentos falidos por dependência financeira e/ou emocional, sem se sentirem capazes de se tornarem autônomas.
Ainda bem que o conceito de família vem se transformando com o tempo e hoje abrange novas formações: casais homossexuais, trisais, mães solo, entre outras. Além disso, para quem vive a solitude, os amigos se tornam uma família.
“A ideia que fazemos de família é a ideia de uma família idílica que, como disse Freud, funciona mesmo é como um núcleo produtor de neuroses.” Milly Lacombe
Ser mulher não implica ser mãe
A luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens e os novos formatos de família que ressignificam padrões, abrem espaço para uma outra e possível escolha legítima da mulher: não ter filhos.
Precisamos falar sobre isso, porque muitas mulheres acabam cedendo à pressão social e se tornam mães sem investigarem se esse é realmente um desejo. Um filho não tapa buracos e nem preenche vazios. Uma criança precisa de amor, atenção e cuidados.
Como psicóloga, atendendo crianças e seus pais, pude perceber que quando há um desejo legítimo de se tornar mãe, o caminho se torna menos árduo e proveitoso, para todos. Quando não há, tudo fica mais difícil.
No entanto, nem sempre essa escolha é tão clara para as mulheres. Nas histórias que nos contaram lá na infância, o ‘felizes para sempre’ vem depois de um casamento. E o que vem depois de um casamento? Filhos. Como se essa fosse a fórmula da felicidade.
Para muitas mulheres, não é essa a prioridade — ter filhos — ainda que sejam desde pequenas induzidas a pensar que nasceram para isso. Queremos também estudar, trabalhar, sermos reconhecidas e bem remuneradas, queremos ter voz política, queremos ter autonomia, queremos querer.
Precisamos entender que ser mãe é apenas uma das muitas possibilidades na vida de uma mulher. Sigamos na luta pela conquista da liberdade de ser o que a gente quiser, de escolher viver conforme a nossa verdade, que é única, é de cada uma, portanto, sempre legítima.
“Nascer com útero não diz de antemão quem somos e o que desejamos, ter filhos menos ainda.” Vera Iaconelli