O mar não é abraço de mãe

Domingo de sol, o dia estava lindo e o céu azul nas cores de abril. Um dia antes daquele que, há 25 anos, foi o mais triste da minha vida: o dia em que perdi minha mãe. Uma data marcada por um sentimento de saudade, que na verdade, nunca passa. Penso que vai durar pra sempre. 

Saudade não só da presença dela, de tudo o que vivi como sua filha, mas também de tudo o que não vivemos. Uma saudade estranha, de todos os momentos importantes que passei depois que ela se foi, mas que não pudemos compartilhar. 

Voltando ao domingo ensolarado, entrei no mar. Ele estava na temperatura perfeita, nem quente, nem frio. Nem calmo, nem forte. As ondas, pequenas, com uma leve correnteza. Eram águas tranquilas.

Naquele mar quase perfeito, num dia de sol e uma exuberante mata atlântica ao redor, comecei a pensar em minha mãe. Com um sorriso no rosto, lembrei do seu sorriso, que era solto, querendo sempre se fazer presente.

Ainda sorrindo, desejei que aquela água salgada, o mar e toda a sua potência, levasse os resquícios de identificações e projeções oriundas dessa relação — mãe e filha — e o resto das marcas do trauma de perdê-la tão precocemente. 

Eu pensava em como a leveza tem a ver com o desatar nós do passado e deixar a bagagem que excede — e pesa — pelo caminho. Foi quando tive uma experiência, que me fez lembrar do estranho, do infamiliar, segundo Freud — tema que tem sido objeto em meus estudos de Psicanálise atualmente. 

O infamiliar, esse efeito “alcançado quando as fronteiras entre fantasia e realidade são apagadas, quando algo real, considerado como fantástico, surge diante de nós, quando um símbolo assume a plena realização e o significado do simbolizado e coisas semelhantes.”

Aconteceu assim: uma amiga, que nadava perto de mim, se aproximou e falamos sobre como o mar estava delicioso. Nessa hora, para nossa surpresa, uma onda um pouco mais forte quebrou e nos deu um leve caldo que nada mais fez do que nos divertir.

Quando recuperamos o fôlego, depois de muitas risadas, ela me disse pra ficar esperta, porque “mar não é abraço de mãe!” E caímos na gargalhada! Eu ri por fora, mas também por dentro, porque aquilo me evocou esse estranho.

Como explicar isso? Eu estava imersa nos pensamentos sobre minha mãe e a minha amiga não sabia disso. Ela poderia ter feito qualquer outro comentário, mas falou do mar comparando-o com o abraço de mãe. 

O infamiliar, para mim, é algo dessa natureza — uma sensação de coincidência, de sincronicidade. Algo mágico, quase poético, inexplicável, estranho, mas que conecta com alguma coisa lá dentro, que não se sabe explicar como isso acontece, nem bem o que quer dizer.

Um sinal? Qual a mensagem?

Talvez, as respostas sobre o que isso significa não sejam mais importantes do isso que nos acomete: o momento, real, estranho, familiar — o infamiliar.

O mar não é abraço de mãe. Seguimos, com a falta.

Publicado por Adriana Prosdocimi Psicanalista

Psicóloga e psicanalista. Atua especialmente com consultas online — uma forma de atendimento que rompe as barreiras da distância, facilitando o acesso ao psicólogo, inclusive para os brasileiros que vivem no exterior.

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