O que os psiquiatras não te contam: reflexões sobre medicalização e escuta

remedio na mão

Logo na primeira página do livro O que os psiquiatras não te contam, a psiquiatra, psicoterapeuta e pesquisadora Juliana Belo Diniz revela seu propósito: desmistificar a ideia de que os psiquiatras apenas receitam remédios e de que os transtornos psiquiátricos seriam doenças do cérebro.

Uma psiquiatria humanizada

Adentrando na ciência dos remédios, do cérebro e do sofrimento humano, a autora propõe uma psiquiatria humanizada, baseada sobretudo na escuta. Explica porque tratar os transtornos psiquiátricos como doenças cerebrais é uma simplificação — ou até mesmo uma mentira.

“Na verdade, ainda não sabemos o que se passa dentro do seu cérebro.”

Juliana mostra que a descoberta dos primeiros remédios (antipsicóticos e antidepressivos) foi acidental. Até hoje, não se sabe exatamente como cada substância age no cérebro e qual sua real relação com o humor.

Ela escancara os limites do tratamento puramente medicamentoso e ressalta a importância das psicoterapias no tratamento do sofrimento psíquico. Além de eficazes, elas também produzem alterações cerebrais, assim como os fármacos.

Medicalização da vida cotidiana

“Quando parte da experiência humana passa a ser potencialmente medicalizável, o que vemos é o aumento do consumo de remédios e tratamentos ineficazes.”

É o que acontece, por exemplo, com o TDAH — Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Sintomas como desatenção muitas vezes se relacionam mais com cansaço, ansiedade ou escolhas de foco, do que com uma “doença”.

Isso explica porque tantas pessoas se identificam facilmente com esse diagnóstico. Mas é fundamental lembrar: são experiências comuns da vida humana. Nenhum remédio nos transforma em pessoas sem limites ou falhas.

As medicações para TDAH — como o Venvanse — são estimulantes do sistema nervoso central. Prometem aumentar a atenção e reduzir a impulsividade, mas também podem provocar euforia, inibição do apetite e até uma melhora ilusória do desempenho. Tentador, não?

A provocação de Juliana é clara: antes de medicar, é preciso escutar.

Remédios, cérebro e sofrimento humano

O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), da Associação Americana de Psiquiatria, classifica os transtornos a partir de combinações de sintomas que podem ser “tratados” por determinadas classes de remédios:

  • Antipsicóticos — esquizofrenia, transtorno bipolar
  • Antidepressivos — depressão, pânico, TOC
  • Estabilizadores de humor — transtornos de humor
  • Calmantes e hipnóticos — ansiedade, insônia
  • Estimulantes — TDAH, depressão

Não por acaso, a história dos diagnósticos anda lado a lado com a história da psicofarmacologia. Isso levanta críticas sobre o excesso de diagnósticos e a influência da indústria farmacêutica.

Juliana aponta ainda que a forma como a psiquiatria mede a “melhora” dos sintomas é imprecisa. Cada organismo responde de modo diferente. É nesse ponto que a escuta clínica e a singularidade de cada sujeito se tornam indispensáveis.

Na psicanálise, entendemos os sintomas como tentativas de apaziguar conflitos inconscientes — e não como corpos estranhos a serem eliminados.

Algo está fora da ordem

Se a população está cada vez mais medicada, por que os índices de ansiedade e depressão só aumentam?

No Brasil, mais de 18 milhões de pessoas sofrem de transtorno de ansiedade, segundo a OMS. Somos o país com maior prevalência de depressão na América Latina. E mesmo assim, como Juliana observa, pessoas com transtornos mentais vivem pior, morrem mais cedo e gastam mais com tratamentos médicos do que há três décadas.

Ela nos provoca a pensar: como esperar mudanças se seguimos apenas tratando cérebros, sem enfrentar questões sociais profundas — como desigualdade, falta de moradia digna, precarização do trabalho e exclusão?

“Sem tratar temas como acessibilidade, acolhimento, desigualdade social, sistema carcerário e falta de moradia digna, não será possível reverter a trajetória descendente da evolução das doenças mentais.”

Reflexão final

Juliana Belo Diniz conclui que os efeitos dos remédios psiquiátricos existem, mas foram supervalorizados pelo interesse da indústria farmacêutica.

“A depressão não é causada por falta de serotonina, mas isso não significa que remédios que alteram a disponibilidade de serotonina não possam ter algum efeito antidepressivo.”

No fim das contas, a escuta continua sendo o recurso mais potente diante do sofrimento humano.


E você? O que pensa sobre os limites entre remédio, sofrimento e experiência humana? Como imagina uma psiquiatria mais humanizada, que vá além da medicalização?


Fontes:

Livro: O que os psiquiatras não te contam de Juliana Belo Diniz

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/na-america-latina-brasil-e-o-pais-com-maior-prevalencia-de-depressao

https://www.unifase-rj.edu.br/levantamento-da-onu-revela-que-brasil-lidera-casos-de-ansiedade-no-mundo


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Publicado por Adriana Prosdocimi Psicanalista

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